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De volta ao passado

O ano estava encerrando e com ele a promessa do fim do mundo mas que não aconteceu, e assim a vida continuou com seus problemas alegrias contas e obrigações, e entre algumas das obrigações (vamos nos concentrar nas boas) dar uma boa motocada de final de ano era mais que obrigatório para encerrar o ano bem.

Combinei com meu irmão, o Danuxo, de ir visitar alguns tios na terra natal de meu pai: São João, município de Conchas, interior de São Paulo

O roteiro alguns trechos já percorridos e outros nunca explorados por mim de moto, e alguns lugares onde nunca passei, apesar de ter ido muito perto por toda minha infância, e no meio do trajeto o sítio de meu falecido avô Olímpio, casa onde meu pai nasceu e hoje mora minha tia Ivani.

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Chama os amigos SombreroS e em 4 motos – Castrado e Sidão de V-Strom + Danuxo e eu de Fatboy. E vamos nóóóóóóissssss, diriam os Impossíveis.

 

Sábado cedo é realmente uma boa pedida para motocar, mesmo sendo véspera de feriado de ano novo, a Rodovia dos Bandeirantes SP-348, sentido capital estava tranquila boa para acelerar forte pois os radares móveis estavam só do lado São Paulo Interior. No km 125 encontro com Castradão, e na sequência na Rodovia Santos Dumont SP-75 o bonde se fechava com Danuxo e Sidão.

A estrada que nunca tinha andado de moto (alias nenhum de nós) era a Marechal Rondon SP-300. Partindo de Itú ela já começa com uma grata surpresa pois até Tietê está duplicada, com curvas leves e gostosas ficou perfeita para andar de moto em uma tocada forte e segura, somado a isso um visual muito bonito com um pouco de mata atlântica entrecortada com sítios tudo entre pequenos morros com leves aclives e declives tornando a motocada muito agradável, digna de um repeteco dia desses.

Paramos em Maristela, cidade de primeira (engatou a segunda acabou a cidade) para fazer os fígados funcionarem e logo seguimos com destino ao Bairro de São João.

Mais um pouco de Marechal Rondon, passa por Conchas e alguns quilômetros depois entramos na “bucovicinal” que faz ligação entre Santana, São João e depois São roque.

Ali começou a rodar um filme de mais de 40 anos na minha cabeça. Lembrava-me dos primos e primas com quem brincava sem parar na praça de São João e que há muito tempo não os encontrava e que talvez se esbarrar com eles pelo caminho não saberei quem são. Lembrava também do extenso “calipal” que formava um corredor na entrada do sítio do meu tio Tido, adorava passar por lá e sentir todo o aroma que os eucaliptos deixam no ar,  logo ao lado dos eucaliptos tinha uma enorme olaria onde eu passava horas tentando em vão fazer um tijolo, tinha ainda o grande tanque onde pescávamos lambari e depois ia montar nas charretes sem o cavalo fingindo ser um cowboy dos filmes de faroeste. Tudo isso vindo e voltando na cabeça e ao mesmo tempo tentando decifrar aonde estavam esses caminhos que nos levariam para casa de meus tios, cadê o “calipal”, o rio “Moquém”, os enormes barrancos sem mata devido a extração de argila para os tijolos, onde estavam? Tudo estava mudado, ao menos para mim.

Poucas árvores e muito pasto, as olarias deram lugar aos criatórios de frango deixando um fedor no ar impregnando o capacete. A estrada, antes de terra com cascalho, agora tem um asfalto razoável com alguns trechos críticos devido aos riachos que transbordam nas enchentes da mesma forma que antes no antigamente onde muitas vezes passávamos com o Fuscão do meu Pai a noite com o farol que já era fraco encoberto pelas águas do rio Moquém, escurecendo tudo onde só se conseguia seguir olhando para as copas das árvores que ainda assim eram mais escuras que a noite, deixando minha mãe apavorada e eu todo orgulhoso de ter um pai tão corajoso e destemido.

Enfim, histórias que iam e vinham, e assim como as aventuras vividas pelo meu pai, também tivemos a nossa, afinal toda boa motocada precisa de uma pitada de imprevisto para temperar mais a história. E assim sendo, a rodovia tinha uma ponte. Tinha; mas fora arrancada pelas águas das chuvas sabe-se lá quando dando lugar a uma nova de concreto mas que ainda não está pronta.

Parada para pensar, tirar fotos, fazer piadas, lembrar de alguns amigos que não suportariam o imprevisto, mais risadas, e então decidimos abortar a missão. Meio decepcionado, tristonho saímos pelo mesmo caminho que chegamos, mas como não gosto de desistir, resolvi perguntar para um capiau na beira da estrada, que orientou um atalho:

_ Pode ir sim, moço. A estrada está boa, passa do lado do sítio dos Casemiros,  segue, passa a ponte de madeira, vira a esquerda e logo chega no asfalto, ainda mais com esse motão, não tem problema não.

Assim foi, mas uma coisa é sabido: moto custom não se comporta bem em estrada de terra. Não que ela não vá, fiz isso meses atrás ( https://seocraudio.wordpress.com/2012/12/08/calendario-dezembro-rio-claro-registro-sao-miguel-arcanjo/ ), mas tem que se tomar muito cuidado na aceleração e frenagem, pois devido ao torque excessivo ela pode sair de traseira e por consequência ir ao chão.

Mas como somos machos, seguimos e logo de cara uma descida bem íngreme avisava: se descer com aquelas pedras soltas (de custom) não sobe mais. Mas descemos primeiro eu e Dan com as Fats devagar e com cuidado, e no meu caso cuidado extra devido ao pneu traseiro estar meio, digamos, igual a mim, e na sequencia os dois de V-Strom, só faltaram descer com uma roda só.

O asfalto chegou um pouco mais longe que o vivente local disse, mas chegou e meu pneu aguentou e assim mais alguns quilômetros chegamos no sítio do “Vô” Olímpio.

Se antes eu já estava em uma viagem no tempo, agora a coisa ficou mais real ainda, e logo veio Tia Ivani nos receber com abraços apertados daqueles de quebrar as costelas com muitos beijos e muito carinho. Eu ali falando sem parar mas com muita vontade na verdade de sentar e ficar quieto, só olhando o filme passando na cabeça. A praça o local de brincadeira de esconde-esconde, pega-pega, das quermesses, dos sorvetes do bar do Véio onde meu pai jogava bocha, enfim seria muito bom ficar ali sentado por um tempo, mas ficará para outro dia, o calor pedia que continuássemos a viagem e a garganta pedia no mínimo uma coca gelada.

Despedimos com a promessa de retorno e seguimos então por mais 500 metros até a parada na ponte do Rio do Peixe (mais uma dezena de filmes) e lá a constatação veio a tona: eu nunca havia atravessado o rio do peixe. A partir daquele ponto, em toda minha vida eu nunca tinha ido para o lado de lá, apesar de ser uma coisa comum ir de São João para São Roque mas enfim, chegara o momento e não podia ser melhor pois dali em diante a prefeitura era de Bofete e não mais de Conchas, e o asfalto estava novo, sinalizado e com um traçado muito bonito e além de estar com meu irmão estava com mais dois grandes amigos.

Parada em São roque, coca-cola, coxinha, uma gelada, liga moto e “simbora” que tem muito chão, destino: Piracicaba pela Rodovia Samuel de Castro Neves SP-147 , que liga a Marechal Rondon-Anhembi-Piracicaba.

Havia passado nela a alguns anos (5 ou 6) e ela era de cinema, um asfalto perfeito com um traçado lindo levemente sinuoso permitindo uma boa velocidade com curvas deliciosas. Mas o tempo é cruel, e como a pista não é “pedagiada” está abandonada em péssimas condições tornando o trecho de 80km um pouco tenso. Mas enfim, contra fatos não há argumentos, então sem reclamações seguimos com mais atenção no guidon.

Em Pira ponto de despedida do bonde, eu retorno para Rio Claro, Castrado para Americana e a dupla Sidão e Danuxo para Sampa, parada rua do porto para a saideira com peixinho e a conclusão que o dia tinha sido espetacular. Confesso que estava um pouco preocupado com a motocada pois tinha um caráter de visitar o passado, rever alguns parentes, e eu já tinha combinado isso com meu irmão, mas levar mais dois amigos poderia ser uma coisa meio maçante para eles (ainda bem que eles adoraram), o que deixou a motocada mais gostosa, pois além de rodarmos por estradas maravilhosas, pudemos ainda dividir um pouco da história da nossa família, ou melhor da história de meu Pai com eles.

Let´s Ride

Seo Craudio